A Viagem Que Se Perde Entre Likes

Lembro quando viajar era se perder de verdade.


Um mapa mal dobrado, uma rua sem saída, o olhar curioso de alguém que oferecia ajuda com gestos. A gente não tinha pressa de compartilhar nada. O que importava era viver (inteiro, presente, quase distraído) naquele instante.

Hoje, as malas carregam mais cabos do que roupas. O roteiro já não é feito de anotações à mão, mas de “listas imperdíveis” copiadas de influenciadores. E, em cada esquina, não se procura a vista mais bonita, mas o spot perfeito para a próxima foto do feed.

O turismo se transformou numa corrida silenciosa: quem consegue provar ao mundo que esteve em mais lugares, que assistiu ao pôr do sol mais incrível, que comeu no restaurante mais desejado? Só que, nessa pressa, o que se perde é justamente aquilo que não cabe numa legenda.

Quantos deixam de provar o sabor de uma fruta estranha só porque ela não é “instagramável”? Quantos viram as costas para uma rua escondida porque ela não tem pontos marcados no Google Maps? Quantos olham para a tela e esquecem de olhar para o céu?

O mais triste é que, ao final da viagem, muitos voltam com álbuns lotados e memórias vazias. Porque estavam tão ocupados em provar que viveram que, de fato, não viveram.

Viajar, no fundo, é outra coisa. É o cheiro do café fresco numa esquina qualquer, o barulho de uma língua que a gente não entende, o silêncio de uma praça onde ninguém nos conhece. É rir do perrengue, sentir o vento frio nas costas, ou apenas se permitir não fotografar.

As redes sociais são belas vitrines, mas não substituem os diários guardados, as cartas enviadas, os detalhes que só existem na lembrança. O pôr do sol é sempre mais bonito sem filtros. O vinho, mais intenso quando bebido devagar. A viagem, mais profunda quando não precisa de testemunhas.

Talvez a maior ousadia, hoje, seja desconectar-se. Deixar o celular no bolso, perder o sinal de internet e, finalmente, encontrar-se — não no feed dos outros, mas na experiência que só pertence a você.


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👉 Nath Souza, escrevendo da França, mas sempre com saudade das viagens que cabiam no silêncio.

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